Como prometido, cada semana terei um novo nome nacional para indicar para vocês e cada um pertencente a um gênero diferente. Essa semana escolhi a banda de post-punk Gattopardo! A música dos caras é incrível, tem muito conteúdo e merecem uma atenção enorme! É um prazer falar com bandas e artistas que tem em mente sua concepção do que é a música e como eles a usam para expressar o que sua bandeira quer causar!
Lucaz: Gostaria que vocês falassem o pouco sobre vocês para introduzi-los aos leitores do blog!
Pedro: Nós somos Alan Crisogano (Bateria), Elcio Basílio (Voz), Pedro Keppler (Baixo) e Rodrigo Feltrini (Guitarra), tocamos um tipo de música que as pessoas que ouvem um tipo de música chamado pós-punk gostam, mas que outras pessoas que não escutam também acabam gostando. A banda começou em São Paulo por volta de 2010, demorou muito para caminhar e agora parece que temos alguns pontos na carteira: uma fita cassete demo; pares de turnês pelo sudeste, em São Paulo, Rio de Janeiro e interior; um LP lançado por dois selos brasileiros (Dama da Noite e Nada Nada Discos) e um selo espanhol (Burka for Everybody); e, recentemente, uma turnê latino-americana que foi de São Paulo até o Sul do Brasil, depois Uruguay, Argentina e Chile – “do oceano atlântico ao oceano pacífico”.
Lucaz: A luta de muitas bandas pela sobrevivência é clara, viver hoje em dia de música preservando uma identidade e cuspindo o que quer é difícil. Como vocês enxergam essa luta olhando para seus amigos músicos e até para vocês mesmos?
Pedro: É complicado falar em “viver de música”. Enxergamos que é praticamente impossível viver de qualquer forma de arte hoje em dia. Se você faz isso, é provavelmente porque está numa posição social que usurpou muito de outras posições sociais. Salvo raras exceções, é assim que funciona, a meu ver. Também não é simplesmente cuspir o que se quer; nós fazemos o que queremos e o que acreditamos. Nós enxergamos que você ser dono da produção cultural, você poder criar música, artes plásticas, literatura e tudo o mais é você poder criar um mundo. É prometer daquilo que movimenta a vida das pessoas e suas ambições no sentido amplo de vida, uma vida que vale a pena ser vivida.
Por isso, o faça-você-mesmo não é um simples passa tempo, um hobby ou um extra no fim do mês. Nós suamos, nós brigamos com pessoas, nós passamos todo tipo de perrengue indo atrás de nossas ideias, nossas convicções de liberdade, de mudança, de beleza, de vida, como disse. Nesse sentido, isso já é viver de música. Não podemos vulgarizar pensando que só se vive da arte quando se pagam as contas. O prejuízo material tem todo sentido quando existe esse ganho espiritual por trás. Quando mostramos que não precisamos da recompensa do capitalismo para viver, que as relações de poder dele podem ser esvaziadas e nós mesmos estabelecer valores que ultrapassam o dinheiro, o salário, a risada com as piadas na televisão, a reificação das relações sexuais e todas essas distorções que provocam desigualdades absurdas no nosso mundo; para mim já estamos vivendo de música. E prefiro deixar que esse mundo continue nos nossos empregos das nove às seis, até que isso possa ruir porque chegamos ao mundo pelo qual lutamos.
Nossos amigos e nossos colegas são todos parte de uma cena que caminha nessa direção. “Faça-você-mesmo” para fazer desse lugar algo que acreditamos melhor. É muito satisfatório ver colegas, que prefiro nem citar nomes para não deixar ninguém de fora, mas que estão aí ao nosso lado e fazendo isso tudo possível. Não só por aqueles que chegam ao sucesso, como por exemplo o Rakta que se saiu muito bem numa turnê mundial há pouco tempo, mas também bandas e artistas, novos e velhos que seguem em movimento por acreditarem em como essa arte FAZ o mundo. Por isso não é como se cuspimos o que queremos preservando nossa identidade, nós preservamos nossa identidade porque é o único jeito de se conseguir o que queremos. Enfim, é uma luta, mas enquanto lutamos eu sei que já estamos muito longe de perder.
Lucaz: Conversei um tempo atrás com a banda Motorama, sobre a cena post-punk da União Soviética e eles me falaram um pouco sobre o ápice do post-punk por lá nos anos 80. Como vocês avaliam o gênero no Brasil?
Pedro: O pós-punk é uma palavra muito abrangente; assim como “punk”, “eletrônico”, “indie”, “pop”…Nos anos 1980 foi muito bom porque era quando o gênero ainda seguia uma ideia de ser algo diferente. Mas são muitas bandas e muitas vezes sem tanto em comum para se definir um estilo único. Me parece que de 1988 para frente as coisas ficam mais rotuladas. Quando as coisas caem nesse esquema de fórmula, geralmente perdem a graça. O legal das bandas atuais é que nos dedicamos em fazer um som novo, em português e sem tentar soar como as referências mais comuns, evitando o “rótulo” fácil. Nossas influências são tão diversas que é até difícil falar em apenas gêneros musicais para desenhar uma linha de continuidade. Pouco importa se falamos em pós-punk, punk, hardcore, música experimental, indie; hoje no Brasil tem muita música independente boa sendo feita. Também tem muita música ruim, mas me preocupa menos do que chegar num momento em que não existe música nenhuma sendo feita.
Lucaz: Assim como Wilde se torna uma influência para os The Smiths, o nazismo para o Joy Division, quais são as influências não-musicais da banda de vocês?
Antes de tudo, acho que nosso cotidiano e as questões sociopolíticas ligadas ao nosso ambiente (São Paulo, Brasil. América Latina) são nossas maiores influências extra-musicais. Fora isso, cada um dos integrantes traz um pouco do que gosta, das suas manias e obsessões para a banda. Eu, particularmente, tenho grande fascínio pela cultura Mediterrânea Clássica, principalmente Grécia, Roma e Egito antigos. Faço referência a eles em algumas músicas, assim como à Literatura e Cinema, que são duas outras grandes paixões. Na minha opinião esse diálogo é sempre enriquecedor, na medida em que expande os horizontes da música, trazendo assuntos de outras esferas. Em 'Hora do Lobo', por exemplo, reformulei um trecho de um diálogo, que li em um livro de filosofia, sobre quanto a felicidade depende da virtude. Essa passagem me pegou em cheio e me estimulou a escrever sobre isso, não necessariamente reproduzindo a ideia, mesmo porque não concordo com o ponto de vista do autor, mas recontextualizando a questão e a inserindo dentro de uma canção que coloca perguntas semelhantes.
Sendo mais pontual, alguns nomes fora da música que nós admiramos: Bergman, Blake, Camus, Godard, Goya, Maiakóvski, Nietzsche, Pasolini, Rimbaud etc.
Lucaz: Por que o caos é mais sugestivo que a calmaria?
Elcio: Mais sugestivo? Talvez porque as pessoas tendam mais à inércia, o caos se torne mais eloquente, já que a sua estranheza nos tira da zona de conforto; enquanto tentamos buscar um padrão em sua lógica absurda, entramos numa perseguição, todavia se percebemos que é uma corrida sem fim, logo desistimos. A música que toca na rádio hoje em dia se esforça para ser completamente palatável, você pode facilmente adivinhar o que estar por vir sem nunca tê-la escutado antes; isso porque os artistas/produtores ficam reciclando a mesma fórmula, se você deixa esse tipo de canção passar pelos seus ouvidos desatentamente, ela não te incomodará, porém se você parar e escutar com o mínimo de concentração, ela se torna absolutamente entediante.
Em contrapartida, existem músicos que trabalham com a quebra sistemática, o que eu já acho um pouco enjoativo, pois a partir do momento que o caos se torna uma regra, ele perde todo o charme da imprevisibilidade. Enfim, acho que não só a arte, mas a vida em geral, se torna mais prazerosa dentro dessa dinâmica de calmaria/caos, contração/expansão, positivo/negativo etc. Quando possuímos um, sentimos falta do outro e vice-versa. É essa oscilação entre o ter e o não-ter que acho mais sugestiva, pois instiga a nossa vontade.

Lucaz: Qual é o discurso que o Gattopardo gostaria de deixar para essa geração abocanhada pela modernidade e presa por um sistema?
Elcio: Não sei bem o motivo, talvez pelo “abocanhar”, mas lembrei de uns versos de “Radio Radio” do Elvis Costello “I wanna bite the hand that feeds me/ I wanna bite that hand so badly”. Vou tentar desenvolver um pouco: às vezes é necessário morder a mão de quem te alimenta, pois não há motivo para ser agradecido pela subsistência, muito menos pela dependência. Se existe um sistema te cobrando ou uma modernidade exigindo prazos e demandas o tempo todo, você tem que parar para pensar o que eles estão te dando em troca, e se isso realmente vale a pena? Se não vale, por que continuar? Por mais que não tenha um retorno financeiro, creio que seja mais recompensador você fazer as coisas do seu jeito e ao seu tempo, do que deixar a cobrança estragar os poucos prazeres que ainda lhe restam.
Caso queira participar do mundo da Gattopardo basta curtir a banda no Facebook e dar uma ouvida no som deles na página do Bandcamp! E semana que vem tem mais! ;)
Fotos: Mateus Mondini e Pedro R. Andrada